Renovando a aliança e encontrando Deus
- Andrea Kulikovsky
- 30 de nov. de 2024
- 4 min de leitura
Hoje, 29º dia do mês hebraico de Cheshvan, 50 dias após Yom Kippur, os judeus etíopes celebram o festival de Sigd. O nome do festival vem da palavra amárica sgida, que significa "prostração", e o feriado é a maneira deste grupo de renovar a aliança israelita com Deus e preservar a identidade judaica.
A aliança é o primeiro passo do relacionamento dos israelitas com Deus, que começou muito antes de sermos estabelecidos como um povo. Começou como um relacionamento pessoal entre nossos antepassados e seu Deus, que era poderoso, emocional e intervencionista. Um Deus que respondia às orações e causava mudanças na vida das pessoas.
Na parashá de hoje, Sam acabou de ler que Itzhak reza para Deus em nome de Rivka, para que ela pudesse conceber. Ela não pede por isso, mas Deus responde à oração de Itzhak. Rivka engravida de gêmeos e sofre durante a gravidez, chegando a questionar Deus:
אִם־כֵּ֔ן לָ֥מָּה זֶּ֖ה אָנֹ֑כִי
“Se sim, por que sou eu?”
Itzhak pediu por filhos, Deus o ouviu, e Rivka, que não pediu, engravida.
Por outro lado, Sam leu sua haftarah hoje. Sua porque, por uma coincidência celestial, seu nome foi escolhido por causa da história que ele acabou de ler, que o Movimento de Reforma no Reino Unido escolheu para este Shabat. Na história, Hannah estava desesperada por não ter filhos e reza em tal estado a Deus para abençoá-la com um filho, que o sacerdote teve a impressão de que ela estava bêbada. Compreendendo a profunda dor dessa mulher, o sacerdote lhe assegura que seu apelo será ouvido e que ela terá seu filho. Samuel, o profeta, padre, juiz de Israel é seu filho, que ela dedicou ao Templo. Hannah pediu, Deus interveio.
A oração de Hannah é considerada tão poderosa que a Amidá é recitada em silêncio para espelhá-la. Os rabinos ensinam que, assim como Hannah fez, devemos recitar a Amidá silenciosamente o suficiente para que outros não possam nos ouvir. Na verdade, a ideia é permitir que cada pessoa se mova em seu próprio ritmo, para infundir as palavras de seu coração com as palavras da oração estabelecida, criando um espaço mental para compartilhar palavras e ideias com Deus. Ao longo de nossa Amidá silenciosa, cada um de nós pode fazer um esforço para manter os sussurros no mínimo e ficar a uma distância de nossos vizinhos, a fim de permitir a cada um de nós mais desse espaço e silêncio.
Se durante os tempos bíblicos havia uma compreensão de um Deus pessoal, alguém que ouviria e interviria, hoje em dia, especialmente após o Shoah, estamos tentando estabelecer nossos relacionamentos sagrados e renovar nossas alianças com um Deus ausente, que não muda o que acontece no mundo, a quem rezamos, mas não podemos estabelecer uma correlação direta entre a reza e o que acontece em nossas vidas. Não acreditamos racionalmente em um Deus intervencionista, mas continuamos rezando. Por quê?
Na visão do rabino e teólogo Abraham Joshua Heschel, Deus está intimamente envolvido nos assuntos da humanidade, como um parceiro na redenção do mundo. Como refugiado do Holocausto, ele conhecia muito bem a brutalidade humana. Em sua visão, uma vez que o envolvimento de Deus no mundo não significa que Deus nos salvará de nossos impulsos mais destrutivos, somos chamados a ser parceiros de Deus na transformação do mundo. Deus não é o único responsável pelas consequências do comportamento humano, mas também não somos deixados sozinhos no universo. Deus está em busca de humanos para construir o mundo como Deus o concebeu. A oração seria aquele momento de encontrar Deus, sentir sua presença, tocar a base para guiar nossos passos e encontrar conforto.
Mordecai Kaplan, outro rabino e teólogo que sobreviveu à segunda guerra mundial, propôs que, em vez de um "ser" agindo independentemente no mundo, Deus é o poder transcendente que experimentamos nos milagres cotidianos de nossas vidas e os melhores e mais elevados ideais da mente e do coração humanos. Na visão de Kaplan, não há Deus externo que intervenha em nossas vidas de forma alguma. Deus, em vez disso, é refletido nas escolhas que fazemos em nossas vidas, especificamente escolhendo o bem em vez do mal. Quando promulgamos a bondade em nossas vidas, nos tornamos a personificação viva de Deus. A oração então seria o momento de reflexão, a conexão com nossa centelha divina interior.
Não importa se alguém reza para o Deus intervencionista, o Deus parceiro ou a centelha divina interior. A parte importante da oração é conectar-se com algo bom dentro de nós, com todas as nossas esperanças.
Hoje estamos aqui, reunidos em comunidade e prece, focando em nossas possibilidades de sermos parceiros de Deus e construir um mundo melhor, encontrando santidade nas pequenas coisas da vida cotidiana e nos conectando com nossa possibilidade de escolher o bem em vez do mal. Hoje, em Israel, há uma grande celebração no bairro Armon HaNatziv de Jerusalém, reunindo judeus etíopes em oração, esperança e alegria. Um povo dentro do nosso povo, que sofreu muito, e ainda se une todos os anos para rezar e restabelecer a aliança, o relacionamento com Deus.
Que possamos encontrar esperança para ouvir as vozes uns dos outros e respeitar os silêncios uns dos outros. Que possamos renovar nossos pactos hoje e todos os dias em nossas preces.
Shabat Shalom.

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