Challaween
- Andrea Kulikovsky

- 30 de out.
- 4 min de leitura
Hoje é Halloween — uma noite que, atualmente, é vista como uma festa americana divertida e secular, que acabou se espalhando pelo mundo todo. E, como tal, é celebrada por tanta gente que se fantasia, vai a festas e simplesmente se diverte, sem pensar muito no significado disso tudo. Eu gosto desse aspecto do Halloween: essa leveza divertida que brinca com nossos medos.
Mas preciso confessar: eu não cresci com o Halloween. No Brasil, de onde eu venho, essa nunca foi uma tradição da minha infância. Isso está mudando — a cada ano a festa cresce mais, muito por causa da influência da cultura americana e das redes sociais — mas ainda soa um pouco importada, não é exatamente “nossa”. E, para ser sincera, tenho a mesma sensação aqui no Reino Unido. É divertido, sim, mas não está no nosso sangue como está no dos americanos. Por isso, o Halloween sempre me causou curiosidade — fico pensando: será que devemos deixar essa festa com eles, ou podemos encontrar uma forma judaica de participar?
E já que hoje é Shabat, fica uma pergunta no ar: qual é a relação entre o Judaísmo e o Halloween?
O Judaísmo sempre reconheceu a existência da magia, do misticismo e da feitiçaria. A Torá proíbe qualquer envolvimento com essas práticas, consideradas pagãs, e, portanto, não permitidas ao povo de Deus. Mesmo assim, a arqueologia e a história mostram que nós, judeus, sempre tivemos certa fascinação por esse mundo invisível. Em Jerusalém, na época do Segundo Templo, até alguns cohanim tinham pequenas figuras de barro ligadas à fertilidade em suas casas — elas estão hoje expostas em museus de Israel. Mais tarde, documentos da Genizá do Cairo revelaram amuletos e feitiços escritos por judeus para afastar maus espíritos ou atrair sorte — muitos deles lindamente decorados.E a nossa tradição popular está cheia desse imaginário: o Golem que salvou a comunidade de Praga, o Dibuk que possuía uma jovem noiva, e até a cena do sonho de Fruma Sara, em Um Violinista no Telhado. Proibido ou não, nós, judeus, sempre gostamos de imaginar esse outro mundo.
Por outro lado, também sabemos que, ao longo da história, judeus — especialmente mulheres judias — foram acusados de bruxaria e sofreram terrivelmente por isso. Além disso, há um princípio judaico que não combina com o espírito do Halloween: kavod hamet, o respeito e o cuidado pelos mortos.
Mas afinal, o que é o Halloween?Aparentemente, tudo começou por aqui mesmo, deste lado do oceano, com o antigo festival celta de Samhain, que marcava o fim da colheita e o início do inverno — o Ano Novo Celta. As pessoas acendiam fogueiras e usavam fantasias para afastar espíritos errantes, acreditando que, nessa noite, a fronteira entre o mundo dos vivos e o dos mortos se tornava mais tênue. No século VIII, o Papa Gregório III designou o dia 1º de novembro como o Dia de Todos os Santos, que acabou incorporando muitos dos costumes de Samhain. A noite anterior passou a ser chamada de All Hallows’ Eve, e, com o tempo, Halloween.
Com os séculos, as tradições se misturaram. O famoso trick-or-treat, ou “gostosuras ou travessuras”, surgiu da prática celta de deixar comida para os espíritos e também de um costume cristão do século IX chamado souling, em que pessoas pediam “bolos das almas” de porta em porta, prometendo rezar pelos mortos em troca. Até a lanterna de abóbora vem do folclore irlandês — a história de Jack, um beberrão e trapaceiro que enganou o Diabo, mas foi condenado a vagar pela Terra com uma brasa acesa dentro de um nabo entalhado para iluminar seu caminho.
De um ponto de vista haláchico, o Halloween tem raízes tanto pagãs quanto cristãs, e portanto não é exatamente “casher”. Mas nós, judeus progressistas, podemos olhar além disso. Hoje, o Halloween reflete muito do nosso próprio mundo moderno — famílias gastando milhões com doces, fantasias e enfeites para apenas algumas horas de diversão. O que antes era uma noite de imaginação e comunidade se tornou, em muitos lugares, um carnaval de consumo. Essa data nos convida a pensar sobre fé, cultura, saúde e a nossa responsabilidade pelo planeta.
Agora, talvez alguns estejam pensando: “Pronto, a rabina ficou ranzinza!” Mas não é isso!É justamente aqui que o espírito progressista do Judaísmo floresce. Nós observamos o que está diante de nós, analisamos à luz dos nossos valores e, às vezes, adaptamos — mantendo a diversão, mas com um toque judaico.
É um equilíbrio delicado. Evitar o Halloween pode parecer a coisa “certa” a fazer como judeus, mas se afastar totalmente pode, aos poucos, diminuir a nossa alegria de ser judeus. Em vez de proibir ou se render, podemos conversar sobre nossos valores e nossas escolhas. O Halloween pode se tornar um momento de aprendizado, uma oportunidade de viver nossos valores judaicos progressistas: kavod (respeito), tzedaká, briut (saúde) e oneg (prazer) — tudo em harmonia.
Talvez a questão não seja se os judeus devem ou não celebrar o Halloween, mas o que podemos aprender com ele. A data nos convida a refletir sobre a morte, não como algo assustador, mas como um lembrete de que devemos valorizar a vida. O Judaísmo nos ensina que, embora histórias de fantasmas possam divertir, na vida real os mortos não são monstros — são pontes para a memória e a santidade.
Então, que tal deixarmos de lado o excesso de doces e as fantasias que ofendem ou objetificam? Em vez disso, podemos resgatar o espírito de generosidade. Abrir a porta e dar algo aos outros. Doar fantasias antigas, compartilhar doces com um abrigo ou hospital, ou comprar comida para quem precisa. Assim, lembramos que alegria e bondade caminham juntas, e que mesmo no Halloween podemos escolher a luz em vez da escuridão.
E talvez, só talvez, possamos dar um toque judaico à festa. Que tal assar chalot em formatos divertidos — abóboras, fantasmas, ou tranças com um toque criativo — e chamar isso de Challahween? Vamos nos reunir, rir e celebrar, porque é disso que se trata escolher a vida: abraçar a alegria, a criatividade e as pessoas que amamos.Fazendo isso, transformamos uma noite de medo em uma noite de conexão e celebramos a santidade de simplesmente estarmos vivos, juntos.
Feliz Challahween e Shabat Shalom!


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